RESENHA - "Comunicação das organizações: da vigilância aos pontos de fuga"


No texto "Comunicação das organizações: da vigilância aos pontos de fuga" é trabalhada a ideia de observar alguns fenômenos de diferentes campos sociais onde há uma interação entre instituições e usuários. Para isso, o texto apresenta quatro cenas, sendo as duas primeiras abordando sobre o mosquito aedes aegypti e sua repercussão tanto na mídia e nas organizações. A terceira aborda sobre os efeitos do mundo digital, exemplificado com o caso da adolescente que cometeu suicídio em uma rede social durante uma transmissão e a última sobre o caso de confronto entre a população indígena e o estado relacionado a implantação de uma usina hidrelétrica.
Há também uma abordagem de um aspecto diferente sobre a comunicação nas organizações. Nessa nova forma de observar esses fenômenos, Antônio Fausto Neto visa observar a comunicação organizacional de uma maneira mais aliada às práticas organizacionais na realidade, sendo menos vinculadas a um ambiente mais idealizado.


A metáfora do radar
O autor associa a comunicação à noção de radar, visto que sua função é de proteger as atividades e a vida de uma organização frente ao ambiente em que ela se insere. Ela se instala no ambiente organizacional e “vasculha” as informações que circulam tanto no meio interno quanto no externo, visando corrigir e adaptar as estratégias da empresa ao seu público e aos seus funcionários.
Tal metáfora diz ainda que a comunicação age como um observador em cima de outras observações, ou uma informação que intervém na própria informação.
Para o autor, existe um grande desafio para o “radar” da comunicação, que está pautado no fato desta ferramenta ter que se adaptar a situações e pessoas muito diferentes para detectar suas necessidades e assim agir em cima delas. A comparação feita por Fausto Neto entre os termos  é muito inteligente e deixa mais clara a importância da comunicação no ambiente organizacional.
A comunicação como regulação
Assim, a comunicação surge também sob a óptica de corretora. Com mais poder de regulação da empresa, garantia de interação, confiança nas informações e novos meios para gerenciar as pessoas. A comunicação, então, perde seu sentido de possibilidades. Tira-lhe a importância dos dissensos entre interlocutores.
Fausto Neto comenta como “operações antecipatórias” em organizações, como realidades palpáveis são interessantes quando confrontadas com teorias comunicacionais que dialogam a favor da imprevisibilidade. O autor interroga porquê de, então, não haver controle das empresas de suas fronteiras, de não haver incertezas em ambientes regrados e regulado, de não haver reparação nos desajustes das regulações.


Regulação ou apagão?
O texto apresenta o termo “apagão” para designar falhas no processo comunicativo. O apagão constitui o momento em que as organizações perdem o controle de sua comunicação, instaurando um momento de dissenso e abrindo espaço para irregularidades.
O autor enfatiza que a adoção de instrumentos tecnológicos na troca comunicativa das organizações nem sempre acarreta os resultados desejáveis, podendo configurar um contexto de apagão, isto é, quebra da vigilância da organização sobre seu público, com consequências negativas. Um dos exemplos apresentados é o uso de aparelhos celulares pela população carcerária: a telefonia móvel é um avanço tecnológico extremamente útil, mas nas mãos erradas pode servir para burlar regras e contribuir para o crime. Uma sugestão para dar fim ao uso de celulares por penitenciários seria o corte do sinal na unidade carcerária. Entretanto, apesar de impedir a prática criminosa dos presos, esta medida acabaria por prejudicar o trabalho dos funcionários da unidade prisional, que necessitam de aparelhos celulares para exercer a vigilância do local e estabelecer uma comunicação satisfatória entre si. Esta situação ilustra como as decisões relacionadas ao monitoramento do público podem ser ambíguas para as organizações.
Fausto Neto ressalta que a ascensão de uma sociedade cada vez mais mediatizada e permeada pelas relações virtuais configura um ambiente propício para o florescimento ampliado de dissensos entre as organizações e seus públicos, uma vez que a vigilância dos sentidos construídos durante suas trocas comunicativas torna-se mais complexa frente à imensidão do ambiente virtual. Diante desta situação, o texto discorre sobre a problemática do controle de conteúdos veiculados na internet. A regulação do que as crianças podem acessar por seus computadores é um exemplo de situação em que o fluxo de informações disponíveis na rede mundial de computadores deve ser limitado, a fim de que o público em questão não apreenda o que não lhe convém.
O mundo virtual constitui um desafio para o papel de radar da comunicação, uma vez que a previsão de problemas e antecipação de soluções se torna muito mais incerta e arbitrária diante da quantidade significativa de sentidos construídos nesse ambiente.


A indeterminação como mola?
Fausto Neto ainda atribui importância crucial à linguagem como instrumento de apreensão, decifragem e disseminação de informações no âmbito organizacional. Enfatiza-se o papel da linguagem não como instrumento auxiliar, mas como fator determinante na constituição do que denomina-se “ordem discursiva”. É ressaltado no texto o fato de que a construção de sentidos na troca comunicativa não se dá de forma unilateral; tanto o emissor quanto o receptor das mensagens participa deste processo de significação, até mesmo porque as ações dos polos comunicativos são interdependentes. O autor defende que a comunicação compreende um processo de disputa de sentidos entre os sujeitos envolvidos na troca comunicativa, e não uma mera atribuição de sentidos.
Uma vez que a produção e apreensão de sentidos estão sujeitas a diferentes interpretações, o processo comunicativo constitui uma dimensão de indeterminações. O efeito deste fato no âmbito organizacional é o que Fausto Neto chama de molas: novas e diversas possibilidades de interpretação de diferentes sentidos, o que fazem necessárias uma constante vigilância e tomada de medidas corretivas na comunicação organizacional.
O autor problematiza a ideia de agendamento dos interesses das organizações sob uma perspectiva linear, isto é, um processo de transmissão de mensagens do produtor para o receptor, não havendo troca de sentidos entre ambos os polos. A partir disto, defende que ambos os participantes do processo comunicativo possuem suas agendas e, dessa forma, disputarão sentidos entre si.
Parte significativa do texto se dedica a postular a imprevisibilidade dos sujeitos em comunicação, de forma que o maior monitoramento possível do curso das mensagens não garante uma apreensão direcionada exatamente para determinado sentido. Este fato reforça a ideia de que, na troca comunicativa, existem inúmeras possibilidades de interpretação, alçando a indeterminação como fator inerente ao processo comunicativo.


Notas em conclusão: por novas formas de escuta
Para concluir o texto, o autor lembra que os problemas tocados por ele ao longo do texto são parte da pesquisa em comunicação organizacional e não foram solucionados, mesmo que alguns sejam estudados. Também questiona a cerca da ciência destes tópicos nas organizações, fora do meio universitário, pontuando como as organizações reagem com o saber dessas tensões.
Ressalta que, apesar de um descompasso temporal entre academia e mundo prático, as pesquisas a cerca desses pontos gera frutos palpáveis, mudando a visão da prática sobre essas questões – levando-a a compreendê-las e não apenas tentar regulá-las.

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